O voo da águia: violência na infância e o poder da empatia
M., de 7 anos, rotulado de "criança problema", corria pela quadra da escola puxando, batendo, cutucando, empurrando as outras crianças, que tentavam se desvencilhar, reclamavam, xingavam e por vezes batiam de volta.
A mãe de M. havia sido usuária de drogas e havia perdido a guarda de M., que viveu durante um ano numa instituição quando era menor, e há alguns anos vivia com o avô alcoólatra e a avó que trabalha fora o dia todo, desde que a mãe de M. morreu, assassinada em frente ao filho. Ufa… a vida dele me parecia mesmo assim, um parágrafo só, quase sem fôlego e sem pausas para respirar e elaborar toda essa intensidade trágica…
A professora gritava: "Pára, M.! Impossível esse menino!" Ele corria, rindo, parecia gostar da atenção que recebia, mesmo sendo uma "bronca" da professora ou os tapas das outras crianças.
Talvez tenha mesmo lhe faltado atenção e carinho especial nesses seus poucos anos de vida.
Observei a cena por alguns minutos, me conectando com essa angústia, talvez universal, de querer a atenção que todos nós, seres humanos, precisamos e muitas vezes não sabemos como consegui-la. Queremos ser vistos, apreciados, amados, compreendidos e nos sentirmos importantes para alguém e para o mundo.
Então, neste estado de compaixão e conexão com o que poderia estar acontecendo com ele, decidi intervir. Corri ao lado do menino, sorrindo e participando também da "brincadeira", enquanto ele perseguia outra criança. Segurei-o delicadamente e ao mesmo tempo com firmeza, como quem segura com cuidado um passarinho frágil que se debate tentando atravessar uma janela de vidro.
Assim como o passarinho, ele tentou se desvencilhar, reclamando, chutando o ar: "Me solta! Me solta!". Fui abraçando-o delicada, porém decididamente, com a intenção de me conectar com ele, sentando-me no chão e pegando-o no colo como se fosse um bebê:
Eu: "Olha! Eu achei um gatinho!" – eu sabia que ele gostava de gatos e que tinha dois. "Achei um filhotinho de gatinho, que bonitinho!", falei embalando-o como um bebê em meu colo…
M.: "Me solta, me solta. Eu tô suado!", ele tentava sair, parecendo meio envergonhado por eu o estar abraçando e ele estar suado.
Eu: "Não tem problema que você tá suado", insisti, embalando-o carinhosamente. "Olha que filhotinho fofinho todo suado que eu achei."
M.: "Não sou!", falou ao mesmo tempo que seu corpo começava a relaxar.
Eu: "É um filhotinho de cachorrinho, então? Olha que amorzinho."
M.: "Não", e seu corpo ia aos poucos se soltando, afrouxando, relaxando.
Eu: "Um filhote de passarinho?"
M.: "Não…", agora M. parecia estar mais presente. Seus olhos, que antes evitavam os meus, agora me olhavam de relance, esboçando um sorriso e depois falando mais seriamente: "Não sou filhote."
Eu: "Ah, não é um filhote, então? É um gato adulto? Um cachorrinho adolescente?"
M.: "Não. Eu sou uma águia!", disse com entusiasmo, sentando-se em minha frente, os olhos brilhando e me olhando diretamente. Sorriu e me mostrou com as mãos como a águia voava. "E a águia sobe na laje e voa!"
Eu: "Nossa, que legal! E pra onde a águia voa?"
M.: "Ela voa por cima de todas as casas e ela é livre!"
Então era isso. "A águia" queria apenas liberdade. Poder voar por cima de todos os problemas da vida sem se deixar afetar tanto por eles. Olhar as coisas do alto, com perspectiva ampliada. Mantendo sua saúde, integridade e potência.
Assim começou nossa conversa, que do voo da águia passou para outros animais e assuntos. Logo as outras crianças se juntaram a nós, sentando-se conosco e conversando. A partir daí, M. interagiu tranquilamente com elas o restante do dia.
Nunca deixo de me surpreender com o poder da empatia, da compreensão e da conexão em vez do lugar convencional e "naturalizado" da bronca, da rotulação e da punição.
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