Conexão com a natureza e ciclos femininos
Alguns meses atrás fui a uma oficina de ervas para ciclos femininos, oferecida por uma mulher indígena. Ela compartilhou conosco um pouco da sua história de vida, da cultura tupi guarani e dos conhecimentos ancestrais de cura pelas ervas medicinais. Além do aprendizado sobre fitoterapia, foram muitas histórias inspiradoras de amor e harmonia com o corpo e a natureza.
Ela nos contou sobre alguns costumes e hábitos indígenas, que são cercados de misticismo e respeito à natureza. Falou sobre sua adolescência e como, durante esse período, tanto as meninas quanto os meninos recebem atenção especial. Em sua cultura, acreditam que nesta fase da vida os jovens são mais suscetíveis a se deixar seduzir por seres encantados da natureza que podem levá-los permanentemente para outra dimensão.
As meninas, quando têm a primeira menstruação, passam a morar na "casa das mulheres" por um tempo, que pode durar de 1 mês a mais de um ano. Durante este período, elas são acompanhadas pelas mulheres mais velhas e aprendem a se harmonizar com seu corpo e com os ciclos menstruais, e a conhecer as ervas que ajudam a regular a menstruação. Aprendem a se conectar com suas emoções, sua intuição e com a natureza. Recebem apoio, companhia e conhecimento.
Fiquei muito tocada com o relato, principalmente o cuidado, a atenção e o acolhimento que os adolescentes, especialmente as meninas, recebem neste período.
Me choca e entristece ver o grande contraste entre visão de mundo apresentada por ela e a cultura na qual cresci, e como essa visão de mundo se reflete em nossas relações pessoais, em como tratamos uns aos outros e como nos organizamos socialmente nas culturas ocidentais.
De maneira geral, para as culturas indígenas os serem humanos são parte da natureza e a conexão com ela é fundamental. Cuidar da natureza e preservá-la é cuidar de nós mesmos, já que somos parte dela e não sobrevivemos sem ela. Existe uma postura de respeito, cuidado e preservação.
Já nossa cultura ocidental vê a natureza como separada do ser humano, que deve conquistá-la e dominá-la, para usufruir de seus recursos. Considera o homem superior aos outros animais e à natureza. Existe uma postura de dominação, extração e destruição.
Esta desconexão com a natureza se reflete em nossa cultura numa desconexão interna com nós mesmos.
Ao contrário dessas adolescentes indígenas, minha adolescência e puberdade foram muito solitárias. Tive acesso a todo o conhecimento científico por meio de livros e processo educacional, mas não tive apoio emocional e psicológico. Não tive atenção especial ou uma comunidade para me apoiar neste período. Não aprendi a me conectar com meu corpo, meus sentimentos e minhas necessidades. Ao contrário, aprendi a me desconectar deles e me concentrar apenas no meu desenvolvimento intelectual. Aprendi a valorizar a racionalidade e a lógica, e a desvalorizar a intuição e as emoções. Cresci me desconectando da natureza e de mim mesma. Foram anos de desconexão interna e consequentemente desconexão das outras pessoas também.
Tive cólicas menstruais terríveis minha vida toda, com vômitos e desmaios frequentes, de tanta dor. Tentei homeopatia, acupuntura, massagem, anticoncepcionais e diversas terapias, sem sucesso. Me conformei a tomar um remédio paliativo todo mês, para evitar sofrimento maior.
Para minha surpresa – estou chocada até agora – não tive mais cólicas desde que participei da oficina de ervas para ciclos femininos alguns meses atrás! Tomei a garrafada de ervas medicinais que aprendemos a fazer durante a vivência e procurei seguir as indicações e dicas da instrutora. Tenho tentado me manter atenta e conectada comigo mesma durante o mês todo, respeitando os sinais do meu corpo e buscando fazer somente o que está bom para ele. Tenho buscado me manter consciente das situações e pensamentos que me causam estresse na hora em que acontecem, buscando respeitar meus limites e me acolher. Também reduzi o consumo de chocolate e açúcar.
Me sinto mais conectada com uma parte de mim mesma, uma natureza interna que foi deixada de lado por tanto tempo. Acredito que especialmente a atenção consciente e o auto respeito ao meu corpo, minhas emoções e necessidades no decorrer do mês são pequenas alterações que surpreendentemente mudaram completamente como me sinto durante a menstruação!
Celebro e sou grata pela possibilidade de ter conhecido e experimentado um pouco dessas tradições indígenas. Acredito que temos muito a aprender com elas!
A oficina da qual participei foi oferecida por Simone Takuá, cocriadora da Flora Tupi, iniciativa de uma família tupi guarani, que desenvolve uma série de cursos e vivências para compartilhar esse conhecimento ancestral. Seu objetivo é resgatar o auto cuidado, a relação da cura com a natureza, a expansão do conhecimento de cura indígena e a confecção de fitoterápicos.
Se tiver interesse em saber mais, acesse: http://vivencianaaldeia.org/
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