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Sandra Caselato

Ouvir: uma arte

ECOA

14/01/2020 04h00

Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana." (Carl G. Jung)

Ao final de um primeiro atendimento de psicoterapia:

– Como você está se sentindo agora?

– Estou bem melhor. Estou mais tranquila. Gostei muito porque você conversou comigo de verdade, não ficou só em silêncio me ouvindo. Você me perguntou quando não estava claro o que eu estava dizendo e aí as coisas ficaram mais claras para mim também. A única outra vez que eu tinha ido a um psicólogo foi muito diferente e foi horrível. Eu cheguei lá e falei, falei, falei e, enquanto eu falava, eu percebia que o que eu estava dizendo não fazia sentido. Eu estava perdida na minha própria confusão e acho que o psicólogo também não estava entendendo nada do que eu falava, mas ele ficava só me olhando. Então eu continuei falando, falando, não conseguia parar de falar e parecia que tudo ia ficando cada vez mais confuso. Quando eu finalmente consegui parar de falar, angustiada, na expectativa de ouvir o que ele tinha a dizer, ele falou: "Seu tempo acabou". Fui embora chorando e nunca mais voltei. Ainda bem que decidi tentar de novo agora porque foi totalmente diferente. Estou muito aliviada. Não estou mais me sentindo sozinha.

Talvez uma das coisas mais importantes que aprendi atendendo como psicóloga está relacionada à pesquisa sobre a "Relação de Ajuda", realizada por Carl Rogers, psicólogo americano precursor da Psicologia Humanista e criador da Abordagem Centrada na Pessoa.

Nesta pesquisa, Rogers buscou identificar que ações, posturas e atitudes resultam de fato em ajuda, onde as pessoas se sentem apoiadas ou têm a experiência de que a interação as ajuda lidar com seus desafios, qualquer que seja a natureza da relação: entre psicólogo e cliente, médico e paciente, professor e aluno, pais e filhos, colegas de trabalho, entre amigos etc. Rogers chegou a três atitudes facilitadoras para uma "Relação de Ajuda": empatia, congruência e aceitação positiva incondicional.

Parece um paradoxo, mas a conclusão que ele chegou – e que eu tenho experimentado com sucesso – é que o que mais "ajuda" uma pessoa não é "tentar ajudá-la", mas apenas estar presente, junto com ela num movimento de empatia e aceitação incondicional em relação ao que quer que esteja acontecendo internamente com a pessoa, acompanhando o que está "vivo" para ela a cada momento, sem tentar resolver, modificar, transformar, sugerir ou consertar.

Ao mesmo tempo, é importante que eu seja congruente comigo mesma, sincera e autêntica sobre o que ocorre internamente em mim em relação à pessoa, expressando isso para ela quando relevante. Ser "eu mesma" ajuda a estabelecer uma conexão humana verdadeira e honesta, que vai além de rótulos ou títulos, como terapeuta, pai, mãe, professor, aluno, chefe
etc.

Quando eu estou realmente presente com a pessoa, aceitando-a completamente, dou espaço para que as transformações possam acontecer naturalmente, no ritmo dela, sem tentar dirigir ou forçar transformações. É como observar o desabrochar de uma flor. Eu posso estar ali presente, admirando e oferecendo condições que favorecem seu desabrochar (água, luz etc.), mas se eu tento ajudar a flor a se abrir mexendo em suas pétalas, acabo interferindo no processo e posso até destrui-la.

Esta qualidade de presença e atitude a que Rogers se refere, significa um respeito e uma confiança profunda na capacidade da pessoa encontrar seu próprio caminho, sabendo que a melhor maneira de apoiá-la é estar junto com ela, sendo eu mesma com honestidade e acompanhando o que está vivo para ela a cada momento. É uma confiança plena no que Rogers chamou de "Tendência à auto atualização" – a tendência inata de todo ser vivo a se mover em direção a encontrar formas de suprir suas necessidades.

Da mesma forma que uma planta continuamente se volta para a luz ou estende suas raízes em busca de água, nós, seres humanos, também somos movidos a buscar atender nossas necessidades, sejam de sobrevivência, bem-estar, segurança, amor, confiança, aceitação, participação, pertencimento, comunidade, dignidade, respeito, entre tantas outras.

Essa nossa capacidade natural de buscar maneiras de atender nossas próprias necessidades é fortalecida quando estamos em ambientes e em relações que nos oferecem essas condições facilitadoras: aceitação incondicional, empatia e congruência. De acordo com Rogers, esses são os elementos necessários para desabrochar este nosso mecanismo inato de auto atualização.

É o que tento estabelecer em todas as minhas relações. Nem sempre é fácil, principalmente com as pessoas mais próximas, mas acredito que foi o que começou a acontecer neste primeiro atendimento que citei no início do texto. Ao estar presente com essas qualidades facilitadoras, é como se eu estivesse favorecendo as condições necessárias para este desabrochar da pessoa, que continuou nas sessões seguintes.

Sobre a autora

Psicóloga, com graduação em artes plásticas e especialização em didática, Sandra Caselato é uma exploradora dos processos psicológicos e das relações humanas, com especial interesse na transformação de conflitos e no fortalecimento da cultura de paz. Atua com desenvolvimento humano há mais de 20 anos, aprofundando-se em práticas que favorecem o diálogo, a transformação pessoal e social por meio da conexão humana.

Sobre o blog

Como você se relaciona consigo mesma(o), com as pessoas a sua volta e com o mundo? Como você lida com os conflitos que se apresentam em sua vida e ao seu redor? Sandra Caselato traz reflexões sobre como viver uma vida mais conectada com os próprios valores, enxergar com empatia além das aparências e construir espaços seguros para conversas necessárias, criando o mundo em que queremos viver.