Carnaval, Justiça Social, Bolsonaro e o Papa
Este ano o Dia Mundial da Justiça Social (20 de fevereiro) coincidiu com o início do Carnaval no Brasil, que é um dos países mais desiguais do mundo, com milhões de pessoas na pobreza.
Há vários anos as escolas de samba trazem nas letras de seus sambas enredo e nas suas diversas expressões artísticas temas que dão voz a grupos marginalizados e trazem uma visão crítica sobre as injustiças históricas e atuais de nosso país. Valorizam personalidades e momentos históricos que contribuíram para minimizar as desigualdades e diferenças socioeconômicas, de direitos, de gênero e raça, etc. Trazem também visibilidade e questionamento sobre outros momentos e figuras históricas cujas ações aumentam as desigualdades, a pobreza, a exclusão e o preconceito.
A Justiça Social está diretamente relacionada aos nossos sistemas econômicos e políticos, e os processos históricos pelos quais se formaram, não apenas no Brasil mas no mundo todo. Esses sistemas contribuem com a desigualdade pois cuidam mais de uma minoria de pessoas do que da grande maioria. Sua normalização e subsequente invisibilização do quanto são injustos e desumanos é um dos maiores obstáculos no caminho da criação de novos sistemas que possam cuidar de todas as pessoas com equidade.
A marginalização e o silenciamento das vozes oprimidas, das experiências das populações que foram privadas de direitos ao longo de gerações, resulta numa narrativa histórica dominante que normaliza os sistemas atuais e nos priva de uma percepção mais realista de sua verdadeira natureza. Ao nos conscientizarmos das graves consequências destes sistemas econômico e político, enfrentamos um dilema pessoal e coletivo entre continuarmos a permiti-los ou transformá-los.
Erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades são princípios da nossa Constituição. Entretanto, se observarmos a história do Brasil, seu mito fundador ou sonho original é o da colonização extrativista, de submissão das pessoas e da natureza em prol da riqueza de poucos, os colonizadores. É um país que se funda na desigualdade social e continua da mesma forma de lá pra cá.
A Anistia Internacional divulgou um relatório esta semana (27 de fevereiro) mostrando que o ano de 2019 foi marcado por retrocessos para os direitos humanos no Brasil e em 23 outros países das Américas. "Desigualdade, corrupção, violência, degradação ambiental, impunidade e enfraquecimento das instituições continuaram sendo uma realidade comum nas Américas, resultando em violações diárias dos direitos humanos para milhões de pessoas", diz a introdução do relatório. No caso do Brasil, a Anistia afirma que o presidente Bolsonaro e outras autoridades mantiveram um discurso abertamente contrário aos direitos humanos e que isso foi traduzido em medidas administrativas e legislativas. Leia mais sobre o relatório aqui:
A desigualdade social não é algo separado da economia e da política. Thomas Picketty, premiado economista francês, afirma em seu livro "O Capital no século 21" que a crescente concentração de riqueza é sintoma inextricável da sua causa raiz, o sistema capitalista. Isso quer dizer que podemos combater o quanto quisermos a desigualdade econômica, mas enquanto não mudarmos a sua causa, o capitalismo, ela continuará acontecendo.
A Oxfam vem publicando suas pesquisas sobre concentração de riqueza no mundo, que tem aumentado rapidamente ano após ano e nesse momento aponta que os 6 mais ricos do mundo detém uma fortuna equivalente aos 50% mais pobres da população mundial, um exemplo concreto da gravidade da situação.
Isso não quer dizer que a solução seria necessariamente apenas o comunismo ou o socialismo. Outros modelos de sistemas econômicos podem ser e já estão sendo criados.
O economista chileno Manfred Max-Neef por exemplo, desenvolveu um modelo econômico centrado no ser humano, no ambiente e na vida como um todo, denominado "Desenvolvimento à Escala Humana", fundamentado na teoria de Necessidades Humanas Universais. Há também protótipos como o do Butão, país que substituiu o PIB (Produto Interno Bruto) como referência da saúde econômica no país, pelo índice FIB (Felicidade Interna Bruta) que foca no bem estar individual, social e ambiental.
Outra iniciativa inspiradora é o encontro Economia de Francisco, que acontecerá mês que vem na cidade de Assis, na Itália e vai reunir mais de 2 mil jovens de 120 países. O encontro está sendo organizado pelo Papa Francisco com o auxílio do economista americano Joseph Stiglitz e do indiano Amartya Sen, ambos vencedores do Prêmio Nobel. O objetivo é repensar, debater e buscar novos rumos para a economia mundial, hoje dedicada de modo quase exclusivo aos interesses de maximização dos lucros de empresas e de poucos indivíduos, de modo a direcioná-la para a proteção da maioria e do meio ambiente.
Justiça Social de verdade somente pode ser vivida numa sociedade que integra as narrativas e experiências de todos que nela vivem e que se sensibiliza ao compreender que os sistemas políticos e econômicos adotados não são neutros, mas fruto e continuidade de opressões do passado, a ponto de querer proativamente adotar novos sistemas que cuidem de todas as pessoas.
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