Topo

Sandra Caselato

Inteligência emocional

ECOA

29/10/2019 09h15

Meu sogro é uma pessoa incrível. Fala sete idiomas sem ter cursado nenhuma faculdade. Aonde quer que ele vá, todos gostam dele. É simpático e atencioso com todo mundo, sem distinção. Não importa se é uma criança, o porteiro de um prédio ou o diretor de uma multinacional. Sabe ter conversas profundas e agradáveis ao mesmo tempo. É um bom ouvinte e se interessa genuinamente pelas experiências das outras pessoas. Dá abraços apertados e calorosos e tem uma risada contagiante. Também é um excelente contador de  histórias, principalmente suas histórias pessoais. Eu diria que ele tem uma inteligência emocional acima da média! 

A inteligência emocional é a capacidade de compreender e gerenciar os próprios sentimentos, assim como compreender os sentimentos dos outros. Está ligada à inteligência relacional, que diz respeito à forma como eu me relaciono comigo mesma, com os outros e com o mundo. 

A grande dificuldade é que, culturalmente, não valorizamos essas inteligências da mesma maneira que nossa sociedade tende a valorizar a inteligência racional lógico matemática. Apenas recentemente as escolas vêm dando mais atenção a este importante aspecto do desenvolvimento humano. Da mesma forma, muitas empresas estão cada vez mais incentivando o desenvolvimento das habilidades socioemocionais de seus colaboradores, pois têm percebido que a qualidade de vida das pessoas e a qualidade das relações no ambiente de trabalho afetam diretamente a produtividade, a colaboração e a criatividade.

Felizmente hoje em dia nossa sociedade, em geral, vem percebendo a importância e valorizando cada vez mais as inteligências emocional e relacional. 

Porém, alguns anos atrás, isso era menos comum. Quem tinha a sorte de nascer numa família com habilidades socioemocionais um pouco mais desenvolvidas tinha a oportunidade de aprender desde cedo algo valioso para toda a sua vida: se relacionar melhor consigo mesmo e com as outras pessoas. 

Esse não foi o caso do meu sogro. Segundo ele, as inteligências emocional e relacional de seus pais não eram das melhores. Mesmo assim, de alguma forma ele conseguiu desenvolvê-las! 

Essa é uma das histórias que ele me contou recentemente e que dá uma dica de como ele foi aprendendo a compreender e lidar com suas próprias emoções. Ele contou que sofria de dores de cabeça horríveis quando era jovem. Chegou algumas vezes a bater a cabeça na parede na tentativa de alcançar algum alívio temporário. Remédios não adiantavam, e ele não sabia mais o que fazer. 

Certa vez, encontrou num livro algo que fez sentido pra ele. O livro dizia que, quando somos crianças e algo não ocorre da maneira que queremos, normalmente choramos. Conforme vamos crescendo, aprendemos a reprimir o choro, mas nem sempre expressamos de outra forma aquilo que nos incomoda. Vamos tolhendo nossas emoções e nos desconectando delas a ponto de nem sempre saber identificar o que sentimos. Mas nosso corpo continua se expressando como pode, das mais variadas formas: dor de cabeça, dor nas costas, dor de estômago etc. O livro sugeria, então, que conversássemos com nossa "criança interna" que não está conseguindo se expressar para buscar compreendê-la e acolhê-la. 

Meu sogro decidiu experimentar. Um dos motivos para suas dores de cabeça era sentir fome. Quando passava a hora em que ele estava acostumado a comer e não comia, geralmente sentia dor de cabeça, que se intensificava terrivelmente quanto mais tempo ele demorava para comer. Certo dia, no trabalho, seu chefe pediu para ele fazer um serviço de última hora e almoçar somente depois que terminasse, no meio da tarde. Ele ficou tenso e aborrecido, com receio de ter dor de cabeça novamente. Então lembrou-se do livro e resolveu experimentar a sugestão do autor. Decidiu conversar com sua "criança interna": "Pedrinho, tá tudo bem, daqui a pouco você vai comer", e foi fazendo isso enquanto realizava o trabalho. Esta conversa interna surtiu efeitos surpreendentes. Não sentiu dor de cabeça nenhuma naquele dia e, a partir daí, passou a conversar consigo mesmo sempre que algo não ocorria da forma que ele desejava. Nunca mais teve dores de cabeça!

Há muitos anos eu venho investigando e praticando formas diferentes de conexão comigo mesma, autoacolhimento e autoempatia, oriundas de práticas diversas, que ajudam a desenvolver as inteligências emocional e relacional. Valorizo muito este aprendizado que recebi do meu sogro, pois expande o repertório do que posso fazer quando as coisas não acontecem da maneira que eu gostaria. Posso conversar com minha "criança interna" e me acolher dizendo: "Tá tudo bem, Sandrinha, você logo vai encontrar uma solução", "Você está fazendo o melhor que pode agora", ou outras frases que me apoiem no momento.  

Se você também se animar a experimentar, vou gostar de saber os resultados! Compartilhe aqui!

Sobre a autora

Psicóloga, com graduação em artes plásticas e especialização em didática, Sandra Caselato é uma exploradora dos processos psicológicos e das relações humanas, com especial interesse na transformação de conflitos e no fortalecimento da cultura de paz. Atua com desenvolvimento humano há mais de 20 anos, aprofundando-se em práticas que favorecem o diálogo, a transformação pessoal e social por meio da conexão humana.

Sobre o blog

Como você se relaciona consigo mesma(o), com as pessoas a sua volta e com o mundo? Como você lida com os conflitos que se apresentam em sua vida e ao seu redor? Sandra Caselato traz reflexões sobre como viver uma vida mais conectada com os próprios valores, enxergar com empatia além das aparências e construir espaços seguros para conversas necessárias, criando o mundo em que queremos viver.